2015/11/23

UMA QUESTÃO DE HONRA

Durante a gloriosa época dos Descobrimentos, conseguimos descobrir novos mundos, através da coragem de um povo que ousou sonhar. Navegantes destemidos conseguiram superar a passagem do Cabo da Boa Esperança e através das conquistas passaram a nossa cultura. Os tempos evoluíram, mas a nossa influência ainda se mantém. A imigração, infelizmente, é cada vez mais uma dura escolha de vida. Apesar de presentes em vários sectores de actividade, o futebol, é o mais representativo das nossas competências, com jogadores e treinadores, por todos os estádios do mundo. Tentam, também, transmitir a nossa cultura. Por vezes, tal gesto torna-se muito complicado…

 

Na sequência de uma derrota, o treinador Vítor Pereira, na conferência de imprensa, perdeu a paciência com o moderador! E tudo porque o tal indivíduo disse-lhe que não podia falar dos seus jogadores! Num estado alterado, onde utilizou um inglês atabalhoado (the trute!) e bloqueado pelos nervos, chegou mesmo a levantar-se e a despedir-se dos jornalistas. Regressou, quando um assessor do clube recordou-lhe a obrigação de responder às perguntas dos jornalistas. Um belo momento humorístico! Prefiro salientar a coragem perante a censura árabe.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/11/09

UMA LAJE NO SAPATO

Numa tentativa de revitalizar os centros históricos, as autarquias, desenvolveram um plano de pedonalização parcial de vias ou caminhos alternativos e paralelos às grandes vias de atravessamento da cidade, que ofereçam aos cidadãos trajetos em condições de conforto e segurança acrescidos. Ou qualquer coisa assim parecida. Em Matosinhos, na Rua Brito Capelo, o piso desnivelado provoca constantes quedas de peões, sobretudo os mais velhos, que por ali passeiam...

 

As lajes, algumas marcadas com fita adesiva por iniciativa de um comerciante, com cerca de um metro quadrado foram colocadas durante as obras do Metro do Porto e começaram a soltar-se, pouco tempo depois, transformando o piso, de uma das ruas mais movimentadas, num imenso perigo. Há desníveis com dez centímetros! As lâmpadas fundidas, na rua, agravam a situação, pois com pouca luz, os que arrastam os pés, não se apercebem das falhas nas pedras e tropeçam, acabando por se aleijar. Os comerciantes, indignados com a situação actual, não sabem a quem imputar responsabilidades. E pela troca de acusações, entre as entidades, prova que elas também não o sabem.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/11/02

MOTA DO INEM

Quero prestar a minha sincera homenagem aos que, diariamente, arriscam a própria vida com o intuito de responder às urgências para tentar salvar outras pessoas. Tenho plena consciência das suas limitações e da ausência de palavras encorajadoras, principalmente perante os constantes cortes e dificuldades impostas pelos nossos queridos governantes. Mas o mais importante é a resposta urgente e eficiente. Desde 2004, os motociclos de emergência médica passaram a fazer parte dos meios. É um meio ágil, vocacionado para o trânsito citadino, que permite chegar rapidamente ao local onde se encontra o doente, e em alguns casos, dispensando a presença de uma ambulância de socorro...

 

Contudo, há sempre Tugas que demonstram resistência e estupidez, perante as inovações! E depressa sai asneira. Numa paragem de autocarro e perante a passagem de uma destas viaturas, um reformado resolve interromper a conversa, sobre a jornada desportiva do último Domingo, e diz ao amigo: «Vês?! Isto vai durar pouco! Tanto dinheiro mal gasto! Então ele chega ao acidente naquela motinha e onde vai trazer o doente?! Onde está o raio da maca?!».


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/10/26

ESCADAS DO PARLAMENTO

As boas notícias passaram de moda para a comunicação social. Nos últimos tempos televisão, rádio e jornais insistem em mostrar um panorama tenebroso, com especial incidência na crise, violência, sinistralidade rodoviária e morte de figuras públicas. Em Março, transmitiram a notícia da morte do patriarca emérito de Lisboa, D. José Policarpo. O homem corajoso, que não pedia licença para dizer o que pensava, participava num retiro de bispos, em Fátima, quando se sentiu mal e foi de emergência para Lisboa, onde lhe foi detectado um aneurisma na aorta. Com 78 anos, não resistiu...

 

Mereceu elevado destaque, nos canais de televisão, com emissões especiais e directos da escadaria da Sé de Lisboa, onde decorreram as cerimónias fúnebres. O cenário de fundo trouxe à memória a escadaria do Parlamento. Epicentro da agitação social, manifestações e confrontos violentos com a polícia de intervenção! A autoridade, com ordem para bater em tudo que mexe, tem como única função impedir que as pessoas subam os degraus. De repente, tive receio que esta cerimónia fosse confundida com algum protesto! E que a polícia fosse chamada para intervir, sem piedade, nos pobres fiéis a caminho da Sé.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/10/19

NEGÓCIOS PARALELOS

Graças aos resultados das eleições, temos excelentes governantes que, com toda a certeza, apenas querem o melhor para o nosso país. E de facto, ao comparar os nossos níveis de desenvolvimento e riqueza, facilmente, podemos concordar que temos uma vida espectacular! Desde que a comparação envolva países como Etiópia, Somália, Burúndi, e mais alguns assim. Nesta época de austeridade e cortes salariais, impõe-se (bastante) criatividade para, tentar, manter o nosso nível de vida...

 

O part-time, ou prestação de serviços, é uma solução encontrada por alguns funcionários públicos (e não só!) para tentar colmatar a falta de rendimento imposta pelos nossos queridos governantes! Alargar as competências da profissão pode (também) ser uma opção. Um fiscal de obras da Câmara de Gondomar foi detido pela Polícia Judiciária por suspeitas de corrupção passiva. Foi apanhado enquanto recebia uma quantia de notas de um proprietário de uma obra local em processo de legalização. As denúncias de corrupção chegaram à autarquia que, em conjunto com as forças de autoridade, montaram um esquema para apanhar o funcionário em flagrante delito.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/10/12

O VERDADEIRO TUGA

O ponto de partida para esta aventura literária. Foi deixada, para agora, não com intenção, mas talvez com receio de perder os (poucos) leitores, logo no início. Se ainda estão a ler (que coragem!), os meus sinceros agradecimentos! Fui educado num ambiente bairrista. Por tradição realizavam-se várias actividades conjuntas, como, festas, churrascadas e excursões. E havia sempre uma coisa que teimava em aparecer em todas as ocasiões! Parece que todos o achavam indispensável: o catraio! Não é calão para uma criança, mas sim o nome atribuído a um garrafão de vinho...

 

Era mais importante que o farnel, ou a vestimenta de Domingo! Pensei que fosse apenas tradição local, mas inclusive, foi a imagem nacional, durante anos, nos estádios de futebol, por esse mundo fora! O Tuga fez questão de demonstrar o seu amor à selecção, com um “catraio” enfiado na cabeça, ou pintado na barriga! Esta tradição começou a desvanecer, devido aos novos costumes e perda de bairrismo, mas ainda se encontra enraizada em algumas gerações e localidades no interior do país. Séculos de história e é esta a nossa identidade.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/10/05

CAÇADORES DE TEMPESTADES

A terra das oportunidades! Estados Unidos da América! O fascínio pela cultura americana! Qualquer coisa de fenomenal e cativante! A imaginação deste país parece não conhecer limites! Até o que fazem de errado parece correto e justificado! A sua mística torna-se bastante contagiante e ultrapassa fronteiras! Todos queremos fazer as coisas à sua maneira! Até perseguir as tempestades! Na América, são vários os grupos, profissionais e subsidiados, que percorrem largos quilómetros, dentro do território, à procura de tornados. Dispõem do mais recente equipamento tecnológico. Estudam estes fenómenos para aumentar o tempo de aviso às populações e assim, reduzir os seus efeitos devastadores...

 

A Sic emitiu uma reportagem sobre os caçadores de tempestades, em Portugal. Um grupo de quatro amadores, que partilham a paixão atmosférica. Sem orçamento e equipamento bastante rudimentar, percorrem o país, num modesto Renault Clio, para tentar captar as melhores imagens e registos de tempestades, perdão, neblina, aguaceiros, chuva, trovoada e ventos fortes!


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/09/28

O FALSO DOENTE

É um dilema que teima em existir e para o qual parece não haver resposta, apesar da passagem dos anos. Os serviços de saúde excederam a sua capacidade de resposta, com os recursos disponíveis, para os casos concretos. Solicitam aos utentes que recorram a urgências somente em caso de extrema necessidade. Porém, existem campanhas de rastreio e aconselhamento às pessoas, de maior idade, para que realizem exames de rotina periódicos, mesmo com falta de capacidade do pessoal que trata da nossa saúde...

 

Como medida preventiva, devido à idade, Delfim Sousa, resolveu efectuar exames de rotina completos, numa clínica privada. Recebeu uma péssima notícia… O resultado da colonoscopia revelou a presença de um tumor no intestino. Apavorado, foi de imediato reencaminhado para o Hospital Amadora-Sintra, onde foi operado com carácter de urgência! Depois de doze dias de internamento, muito sofrimento e uma infecção urinária. O médico, entusiasmado, diz-lhe que tudo foi desnecessário! Porque, afinal, vai ter alta médica, para poder regressar a casa, porque não encontraram qualquer tumor! Porreiro, pá.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/09/21

ATÉ QUE A MULHER OS SEPARE

Ao longo dos anos fazemos muitos planos para o futuro. Tenho a certeza que nenhum deles está relacionado com a morte ou a nossa última morada! Porém, tudo pode ser planeado! Em Guimarães, Amâncio Silva, toma conta do seu próprio jazigo. Já pôs o seu nome e fotografia, apesar de ainda estar vivo, para espanto dos que lá passam. O idoso (actualmente separado, mas não oficialmente) desconfia da mulher e teme que ela o ponha noutro lado quando morrer. Assim, com a foto e o nome, toda a gente sabe que o local está escolhido e reservado...

 

Inicialmente queria comprar uma campa única, mas já só havia um jazigo duplo. Assim, o sepulcro do lado está destinado à restante família. Como se não bastasse, deixou em testamento a vontade de ficar no local, que por coincidência, é ao lado do seu antigo chefe, entretanto falecido: «Eu ajudava-o numa quinta que ele tinha, e ensinou-me tudo o que eu sei hoje». Até à mudança definitiva cuida meticulosamente do seu jazigo, mas nada de flores! Até lá, a campa vai sendo motivo de conversa entre os locais.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/09/04

MÉDICOS MISTÉRIO

Numa reportagem, emitida pela Sic, a repórter Dulce Salzedas lançou um ataque à classe médica e à sua especialidade em arranjar desculpas para trabalhar menos e receber mais! A questão será justa? Numa altura em que acusam o Tuga de ser malandro, de gostar mais dos feriados do que trabalhar, de não dar produtividade, aparecem alguns indivíduos (perdão, senhores doutores) que até conseguem estar em dois sítios, ao mesmo tempo, a tentar salvar vidas. Agora compreendo as longas filas de espera nos centros de saúde e hospitais. Com tanto trabalho, os pobrezinhos estão exaustos...

 

Acho que os senhores doutores (por extenso!) são um exemplo a seguir. Pensam que é fácil trabalhar em vários sítios ao mesmo tempo? E juntar dinheiro para cumprir os empréstimos para o modesto apartamento T1, ou até o veículo utilitário? Um salário não chega! Quantas vezes, eu próprio desejei, que estivesse alguém a trabalhar por mim. Trabalhar e de graça! A “pobre” classe médica revela que, apesar de mal remunerada, exagera na produtividade e no trabalho suplementar! E ainda há quem reclame.

in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/08/28

UMA PORTA SEMPRE ABERTA

Nos meus tempos de estudante, na disciplina de economia, uma das (poucas) coisas que aprendi sobre alcançar o sucesso empresarial, implicava um nome sonante e uma frase promocional a condizer! Lembrei-me disto quando passei, em frente, a uma loja comercial que, quanto a mim, falhou os dois! Querem saber qual é? Sem mais suspense… "Era Imobiliária”. O nome sonante: à entrada de cada loja, existe uma revista de distribuição gratuita, com indicação dos negócios imobiliários em destaque. A revista aproveita o próprio nome comercial para o seu título. “Revista Era Gratuita". Com esta associação de ideias, parece que, agora, o raio da revista já é a pagar, quando era gratuita... 

 

A frase promocional: seguindo uma estratégia de proximidade, na fachada da loja estava escrita uma frase apelativa, que deve ter dado muito trabalho a um qualquer departamento de marketing e investigação: “Uma porta sempre aberta”. Consegue, de facto, passar a ideia de que se preocupam com o cliente estando sempre disponíveis para ajudar. Desde que não seja em dia feriado, ou fim-de-semana.


 in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)

2015/03/21

UMA SEGURANÇA EFICAZ

Tenho profunda admiração pelas pessoas que, perante as dificuldades, arriscam e conseguem montar o seu próprio negócio. Um mundo de incertezas relativamente ao futuro. Implica sacrifícios, excesso de horas de trabalho, ausência de vida familiar, e muitas preocupações financeiras! É fundamental analisar todas as variáveis comerciais antes de avançar com um negócio. A taxa de insucesso é bastante elevada! Tudo é importante! A atividade comercial, o nome, slogan e a imagem da empresa e dos colaboradores. Todos têm de transmitir confiança ao potencial cliente! Caso contrário, fracasso...

 

No Porto, encontrei uma empresa que nunca ouviu falar disto! “Cofres Alcatraz - uma segurança eficaz”! Um nome e slogan interessantes, associados à prisão de segurança máxima, na Baía de S.Francisco. Encerrou em 1963, com a sua reputação imaculada, sem qualquer registo de fugas vitoriosas! O conceito de segurança, por cá, é divulgado numa viatura, com muita ferrugem e um logotipo com falta de letras, que parece estar ao serviço dos que assaltam os cofres, em lugar de os vender.


in "As Crónicas dos Tugas" (Chiado Editora, 2014)